Carla Caramujo

Cantora (soprano)

Comecei a estudar música antes de saber ler ou escrever. A música sempre fez parte do meu universo, a par de uma curiosidade ávida por literatura.

O canto surgiu espontaneamente na minha vida através do violino, instrumento que aprendi no conservatório e que foi responsável pela forma como hoje perceciono a música. Cantava sempre a partitura antes de experimentar tocar. A minha voz, esse ser invisível que habitava em mim, tornou-se objeto da minha incessante curiosidade musical e um veículo que me permitia vislumbrar aquilo que todos os artistas buscam no seu íntimo – o sublime inatingível.

Quando entrei para a Guildhall School of Music and Drama, iniciei o percurso mais intenso e desafiante da minha evolução como cantora, atriz e música. Na Guildhall, completei os meus estudos superiores académicos (licenciatura e mestrado em performance), mas o que guardo mais intensamente desses anos londrinos é a intensa atividade musical, a partilha de conhecimentos e enorme generosidade por parte de muitos artistas e professores, num ambiente muito internacional. Aprendi que música é aprendizagem contínua, dádiva e partilha.

Prossegui os estudos de ópera no Royal Conservatoire of Scotland, já em colaboração com a Scottish Opera. Aí, ganhei muita experiência de palco e rendi-me totalmente à arte da representação. Entre vários papéis e as minhas primeiras críticas em revistas especializadas, venci os concursos Musikförderpreis der Hans-Sachs-Loge, na Alemanha, Chevron Excellence, Ye Cronies e Dewar Awards, no Reino Unido, e o Concurso Nacional Luísa Todi.

Este último é responsável pelo meu primeiro contacto profissional em Portugal, proporcionando-me uma audição para o Teatro Nacional de S. Carlos, onde, posteriormente, me estreei como Gilda, em Rigoletto. Seguiram-se vários outros papéis e repertório sinfónico na temporada desse mesmo teatro e em vários outros palcos nacionais e estrangeiros. Fui bolseira de algumas instituições nacionais e internacionais, como a Samling e a Accademie Villecroze, que me permitiram estudar com vultos do canto, como Christa Ludwig, com quem trabalhei praticamente todos os papéis Mozartianos.

Apesar do grande foco do meu repertório se prender aos séculos XVIII e XIX, o fascínio que sempre tive pela música de transição e primeira metade do século XX, como Janacek ou Richard Strauss, de quem cantarei brevemente “A raposinha Astuta” e as “Quatro últimas canções”, respetivamente, levou-me a interpretar alguns autores que me aproximaram da música dos nossos dias. Recordo a minha estreia em Glasgow, na ópera Flight, de Jonathon Dove, como o primeiro momento de grande significado na minha abordagem à música contemporânea. Esse interesse foi crescendo e consolidou-se aquando da estreia absoluta de O Sonho, de Pedro Amaral, na Gulbenkian, com a London Sinfonietta. Seguiram-se Peter Eötvos, com a sua Lady Sarashina, e várias obras de Nuno Corte-Real, Fernando Lapa e Alexandre Delgado.

O prazer de cantar em português surgiu tardiamente, mas com imensa paixão, através destes extraordinários nomes contemporâneos e de uma colaboração muito especial com o compositor brasileiro João Guilherme Ripper, cuja obra operática e vocal sinfónica tenho interpretado regularmente em Portugal e no Brasil. Em 2019, estreei-me como La Princesse, em Orphée, de Philip Glass, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, posteriormente, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Este projeto é-me especialmente caro porque sou fã incondicional de Jean Cocteau e jamais esquecerei o privilégio de encarnar a sua Princesa, imortalizada pela incrível Maria Casares.

Ao longo dos anos aprendi a valorizar a componente humana e social desta profissão e a estar grata por isso. O contato com diferentes culturas, seja através da interação entre artistas, seja através do público nas diferentes geografias, é muito enriquecedor. Apresentei-me em Espanha, Reino Unido, Alemanha, República Checa, Itália, França, Argentina, Uruguai, Colômbia, Brasil, África do Sul e em Portugal, naturalmente.

Cada nova produção é uma aprendizagem humana, uma partilha de valores e conhecimento, uma grande oportunidade de autorreflexão. Relembro a minha recente produção de Don Giovanni, em Joanesburgo, em que trabalhei com colegas de três continentes, contactei com uma realidade social complexa, partilhei os mais elementares valores da humanidade numa comunidade artística, local e internacionalmente muito diversa, mas fortemente unida pela força da música. Um Don Giovanni irrepreensível ao mais alto nível de execução e paixão. Uma dádiva. Uma reflexão para a vida. Foi a minha terceira D. Anna… Inesquecível.

A música é uma ponte fortíssima de entendimento e paz entre culturas.O Fernando Lapa dedicou-me uma das suas obras mais recentes:  o ciclo “Ao encontro da Alegria”, que acabo de gravar com a editora MPMP. A obra chegou às minhas mãos em plena pandemia, numa altura em que me refugiei na escrita, o meu “hobbie” favorito. Nada melhor do que a surpresa da generosidade dos Grandes.

A música sempre me presenteia com a alegria e a beleza daquilo que importa na vida. Sou uma privilegiada.

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